Memórias póstumas de Eggbug: o fechamento do Cohost

16/09/2024
Imagem de abertura do site Cohost, antiga rede social de microblog. Nela, da esquerda para a direita, vemos o logo da rede, e, à direita, vemos a mascote, Eggbug, um insetinho desenhado de maneira simples, de corpo magenta, dentro do corpo de uma publicação. Ao redor, elementos visuais que remetem à identidade da rede.

2024 está sendo um ano difícil para redes sociais. Tomadas por robôs, divulgações de produtos e promoções, conteúdo questionável e, agora, a nova moda: Inteligência Artificial. Muitos artistas são contra, pois tais algoritmos treinam com trabalho feito com amor (e até peças comissionadas!) para fazer imagens de forma simples para quem acredita que a arte precisa ser sempre gratuita.

Quando fiquei sabendo da venda dos dados dos usuários do Tumblr para treinamento de um modelo de IA, e que isso foi, provavelmente, feito antes da divulgação oficial, decidi que era hora de me aventurar em um lugar novo. Dentre tantas alternativas citadas, foi o Cohost que escolhi, totalmente influenciada pela mascote mais fofinha e inusitada, o pequeno Eggbug.

O Cohost possuía uma proposta diferente das redes populares: sem algoritmos e curtidas invisíveis, era a desconstrução do que era o habitual para mim. Uma rede construída por gente que queria inovar, para gente que queria sair da mesmice. E lá estava eu!

Minha inscrição foi feita exatamente em 16 de março de 2024, e eu comecei a interagir em inglês com a galera de lá, como fazia no Tumblr. Cheguei a encontrar alguns brasileiros, mas éramos minoria. Os fandoms existiam, embora pequenos, e os conteúdos eram variados, com resenhas, artes, música, entre outros.

Introdução: o que foi o Cohost?

Criado em 2020 pela Anti-Software Software Club, o Cohost foi uma plataforma de microblog, uma espécie de mistura entre Twitter e Tumblr. Seu diferencial era a falta de algoritmos, métricas escondidas e a não-venda dos dados dos usuários, sendo, assim, voltada para a comunidade.

Embora a conta fosse gratuita, o usuário tinha a opção de assinar o Cohost Plus para poder usar emojis customizados e algumas outras regalias como forma de agradecimento. A página do projeto foi eternizada no Wayback Machine.

A ausência de métricas

Foi algo difícil de me acostumar no começo. Eu não sabia quem era querido, nem desquerido, apenas ao olhar as curtidas e seguidores, e cheguei até a pensar que não daria certo para mim.

Postei algumas coisas lá, sem compromisso, e tive interações divertidas e saudáveis. Não ver as métricas me ajudava a não me importar com as minhas, pois eu não tinha como me comparar, o que eu acabava fazendo nas outras redes.

Tinha – na verdade, ainda tenho – um certo medo de dar uma opinião errada, mas no Cohost eu falei besteira, escrevi coisas aleatórias, e sempre ficou tudo bem. Não tive medo de receber uma resposta extremamente grossa, até mesmo porque, como a rede não tinha algoritmos, as chances de eu ser vista por quem não me seguia ou não acompanhava as hashtags que eu usava era quase nula.

Mas não pense que não ver números me impedia de saber quem era querido pela comunidade: reblogues, perguntas, número de comentários, tudo isso eram maneiras de medir o quanto uma pessoa era popular ou não. Acredito que a diferença era que, lá, ao menos na bolha onde eu estava, isso não significava nada além de que aquele usuário era legal.

A falta de algoritmos faz falta?

Resposta rápida: para mim, não.

É certo que você fica mais dependente de hashtags para encontrar conteúdo, mas, como a maioria das pessoas tinham vindo do Tumblr, já existia essa cultura. Inclusive, muitos colocavam marcadores ridiculamente longos como uma forma de adicionar contexto aos posts.

Por causa disso, encontrar conteúdo era fácil. Meu maior desafio era com tags similares: “otome game” e “otome games”, por exemplo, gerava uma certa confusão. Algumas semanas antes do anúncio do fechamento, a ASSC chegou a anunciar uma maneira de lidar com essas duplicatas, mas não cheguei a testá-la.

Sem um algoritmo empurrando conteúdo goela abaixo, somos nós os responsáveis por popular nosso feed ao escolher as contas e tópicos que vamos seguir. Claro que é mais trabalhoso que simplesmente receber as coisas de mão beijada como nas redes populares, sejam elas boas ou ruins, mas poder curar a experiência do zero foi importante para me sentir no controle de novo.

Algoritmos e a dificuldade em ser influencer sem eles

Em outro texto que escrevi em 2022, toquei um pouco no tema de onde as redes sociais estavam indo:

[…] já tem um tempo que quase todas as redes se adaptaram para receber e formar empresas e criadores de conteúdo, com botões de loja, monetização e afins. Elas vêm para prender você a pessoas inalcançáveis e ideias de massa, para te viciar em rolar a tela sem pensar muito, não para te conectar a pessoas.

Agora, em 2024, com os acontecimentos que me levaram ao Cohost, voltei a pensar nisso, tanto para mudar meu consumo, como minha maneira de postar. Tentei várias vezes divulgar e engajar no Twitter ou Instagram, tanto que, nesse texto que mencionei, eu digo Não estou criticando quem faz isso [...] porque faço o mesmo, mas foram tão poucas as vezes que deu certo que decidi parar.

No fim das contas, para o algoritmo, o que ganhava era o post da pessoa que já recebeu mais de mil curtidas, afinal, se tantas pessoas gostaram, você também irá! E, claro, verá um anúncio em seguida. Sem dinheiro, as cortinas da sua plataforma favorita fecham; sem redes para se mostrar, empresas e pequenos negócios fecham, também.

A razão pelo Cohost e algumas redes similares não serem tão conhecidas e não sobreviverem é simples: não são feitas para abrigar marcas e não privilegiam esse tipo de conteúdo. Quando eu divulgar esse texto lá antes do servidor fechar, ele estará junto de outro texto, outra opinião, ou até mesmo do shitpost de alguém, e é essa beleza de não ser preferido por um algoritmo.

Mesmo com o Artist's Alley, uma maneira de anunciar dentro do Cohost e ajudar nos custos do site, a plataforma continuou não possuindo esse propósito de vitrine, e, sim, de criação de textos, debates, de coisas novas e sem filtro cosmético instagramável, o que construiu uma certa cultura de valorização de produções independentes (as famosas indie) e de repúdio a grandes corporativas, como Meta, Microsoft e outras.

O que o fim do Cohost diz para nós?

É muito difícil falar sobre essa parte sem acabar azedando boa parte do texto. Acredito que boa parte da situação do Cohost, julgando por seus reportes financeiros que deveriam ser mensais, foi causada por uma gestão confusa e por, até arrisco a dizer, falta de noção da dimensão do projeto e dos custos do mesmo.

Ter experiência com desenvolvimento não te torna capaz de criar seu próprio projeto do zero, da mesma maneira que ter experiência escrevendo pequenos textos não te torna automaticamente capaz de escrever um livro best seller, nem cuidar do seu jardim te torna capaz de cuidar de uma floresta inteira.

Por mais que a Anti-Software Software Club fosse feita de pessoas talentosas, a verdade é que, para mim e muitos outros antigos usuários, 4 pessoas não conseguem cuidar da comunidade, moderá-la, conter as controvérsias (pois moderadores nunca agradam todo mundo), e ainda trazer funções novas com frequência por razões óbvias: são apenas quatro pessoas.

Em março, o time publicou, junto do reporte financeiro do mês: nós estivemos totalmente dependentes do financiamento externo de uma única pessoa para chegar até aqui, mas que não temos intenções de fechar o Cohost a não ser que seja absolutamente necessário. Não temos razão para acreditar que seja necessário., mas sendo altamente dependente de investidores, o encerramento era eminente.

A rede era, infelizmente, um projeto sem grande retorno financeiro, e isso me faz pensar muito sobre como outras plataformas, como Instagram, Facebook, LinkedIn e o próprio buscador do Google, se mantém gratuitas e populares.

Toda vez que alguém acessa esses sites, preenche informações e aceita os cookies, dados são coletados. Dados, esses, que são usados para ajudar os anunciantes a direcionar seus conteúdos para as pessoas ideais, com mais potencial de compra. Seus gostos, sua localização geográfica, seu gênero, sua idade, tudo isso é usado para te dar uma experiência customizada, queira você, ou não. Na verdade, você quis: você aceitou os termos de uso, não aceitou?

E é assim que você mantém grandes nomes e empresas vivos. Quando você não paga por um serviço online que possui anúncios, você é o produto.

Ou seja: ao escolher não vender os usuários e trazer uma experiência diferente, o Cohost e redes similares correm o risco de não resistirem. É um risco que todos eles sabem que vão correr, e escolhem, ainda assim, tentar. A permanência delas fica nas mãos dos usuários: você quer apoiar o projeto de quem quer te fornecer uma maneira de entretenimento?

Imagem do Eggbug, com o trecho "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas.", do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, escrito próximo a ele.
Depois de tantos torcerem pelo fim, de muitos esperarem pelo fim, ele chegou. Agora o que restam são as memórias póstumas de Eggbug.

Eu sou muito grata à oportunidade de estar numa rede como o Cohost foi. Agora que estou trabalhando em uma empresa de tecnologia, sei que quatro pessoas não conseguiriam cobrir com facilidade todo o trabalho que eles cobriram, e admiro muito o quão longe eles foram.

Acho que erraram em lidar com polêmicas, mas não quero falar sobre tais assuntos por aqui, pois são muito controversos. Não endeuso, nem taco pedras: o ser humano é falho, mas, na posição de determinar regras, é preciso ser mais imparcial do que eles foram.

Foi através do Cohost que minha vontade de escrever voltou a crescer. Foi lá que conheci pessoas legais que ainda interajo e sei que foi uma experiência muito positiva, totalmente oposta ao que eu tinha em outras redes. Vi textos sobre localização e tradução de jogos, sobre viver em outros países, sobre programação… era algo muito variado e acolhedor.

Após o fechamento, continuarei explorando o Fediverso, que me traz uma sensação muito similar. Mas aí é história para outro dia! Obrigada por lerem essa autora de publicações irregulares. 💗 Nos vemos na próxima!

Nenhum comentário

Postar um comentário

Olá, fique a vontade para comentar aqui! Se for tímido, pode usar o anônimo, só peço pra manter a paz nesse cantinho! ✨